O espantalho maior
Brasil escorrega na política, apego ao cargo e aos votos fala mais alto e governantes se nivelam por baixo.
Parafraseando a teoria do Tolo Maior, esse segundo editorial da Dossiê etc vem falar de um assunto que pode ser descrito como cortina de fumaça, distração, ou até, para os publicitários e mágicos que nos leem, misdirection. Com termos mais sofisticados e outros mais explícitos o sentido geral disso é o mesmo, chamar a atenção para algo menos relevante enquanto a mágica acontece na outra mão.
Direto ao ponto:
O Brasil não está prestes a entrar em caos, o Brasil já vive o caos, mesmo que muitos insistam a ignorar essa situação. Em São Paulo as ruas, principalmente nas regiões centrais se enchem de pessoas desempregadas, inquilinos despejados, pais, mães, filhos. Enquanto esse editorial fala disso, pode ser que seu coração se encha de raiva daquele que tem sido chamado, por milhares de pessoas nas redes sociais, de genocida. Porém, falar do presidente Jair Bolsonaro, agora, beira a irrelevância. Isolado e limitado aos seus recorrentes discursos pirotécnicos, já se espera que nada surja de positivo. Não vindo dali.
À nossa volta o que está acontecendo é estarrecedor e, agora, erroneamente, você pode achar que a referência é em relação às atividades populacionais. Jovens sendo jovens (criminosos) ocupam as areias das praias e as festas clandestinas, no melhor estilo "Nutella", inconsequente e inútil de ser rebelde. Mas isso também é óbvio demais para ser abordado, precisamos falar é de quem tem a chave das cidades, as pessoas responsáveis por olhar de perto e tomar atitudes localizadas em medida muito mais proporcional à situação vivida regionalmente.
É claro que Bolsonaro tem grande responsabilidade, porque para além de todas as inaptidões imagináveis, ele ainda faz propaganda contra o uso de máscaras, contra a vacinação, contra a ciência, contra o distanciamento, contra o bom senso, contra a natureza, contra a vida e a favor de medicamentos ineficazes para a doença que se apresenta... tratar disso é como chover no molhado. Se não se pode contar com o presidente, é urgente que voltemos nossas atenções para os estados e municípios. É chegada a hora de separar os governantes responsáveis daqueles que tratam vidas da forma como contam votos.
O estado de São Paulo, governado pelo “trabalhador” João Dória, assiste calado e desinformado, sua população morrer em ritmo acelerado, uma necropolítica de fazer inveja em qualquer bolsonarista fanático. (Bolso)Dória já permitiu que morresse em seu estado 77 mil pessoas, ou 175 pessoas por cada 100 mil habitante, 11% a mais do que a taxa de mortalidade estimada hoje em 157 mortes / 100 mil habitantes no Brasil; olhando localmente, para a cidade de São Paulo, a taxa de mortalidade é 19% maior que a taxa nacional, com 187 mortes por 100 mil habitantes.
Que essa “fria e calculista” análise não deixe parecer que os méritos por isso são de Bolsonaro e sua tropa, longe disso! A diferença se dá por estados como o Maranhão, governado por Flávio Dino, com taxa de 87 mortes por 100 mil habitantes. Também não podemos seguir irresponsáveis ao deixar de fora dessa análise outras informações e ponderações como, por exemplo, a densidade demográfica dessas regiões, já que a do Maranhão chega a ser até 8 vezes menor que a de São Paulo, mas nesse comparativo algo fica evidente: a diferença de postura de todos os citados.
Bolsonaro promove um discurso extremo contra todas as medidas de contenção da pandemia, age como se fosse um sociopata, - não que o seja, já que não temos competência técnica para realizar diagnósticos psicológicos o que, por outro lado, também não nos impede de observar a forma fria como ele categoricamente refuta todas as indicações científicas - aposta no caos, inclusive promovendo uma explosão de casos de problemas hepáticos relacionados ao uso de medicamentos que, comprovadamente, não ajudam no combate a covid-19; Dória o acompanha de perto, acena para eleitores e em tempos críticos da pandemia permitiu eventos esportivos, religiosos e promoveu uma desastrosa volta às aulas, coincidentemente, imediatamente antes de maior pico que o estado já viveu. Ao contrário do presidente aposta no uso de máscaras e tem a seu favor o Instituto Butantã, um órgão de Estado que nunca se furtou da responsabilidade de vacinar a população nos momentos mais críticos da história sanitária do país, independentemente do governo de situação. Porém, se recusa a decretar lockdown ou isolamentos rígidos e fechar o trânsito de veículos de passeio nas rodovias estaduais. À lista de inações soma-se também que nunca, nem quando o estado viu a mortalidade diária bater picos de mil vidas perdidas, se prontificou a limitar a circulação das frotas de transporte intermunicipais nem do metrô, dois focos óbvios de proliferação do vírus; sobre Bruno Covas, o que dizer? Atravessa um problema de saúde grave e, talvez por isso, sumiu da mídia. Pensando na continuidade da carreira política através do cargo de governador que pretende alçar, aposta nos recorrentes acenos aos comerciantes, tradicionais eleitores do PSDB paulista. Nunca suspendeu o transporte público e pouco fez pela fiscalização de funcionamentos irregulares dos estabelecimentos comerciais que, como se a pandemia tivesse acabado, voltaram a funcionar normalmente. Um dos exemplos que melhor descreve esse descalabro que levou a um aumento considerável das mortes e das transmissões da cidade, foi a cena dantesca de restaurantes lotados com pessoas sem máscara comendo em um distanciamento dissimulado, enquanto falavam de amenidades tóxicas, capazes de espalhar aerossóis e perdigotos por todo aquele ambiente e cepas diversas de vírus pela cidade. Pobres dos velhos, vítimas de seus filhos e netos.
Na atual conjuntura, nem com muita boa vontade é possível interpretar esses comportamentos como uma tentativa de preservar a vida da população. Pelo contrário, com todos os esforços mundiais em desvendar essa terrível doença tão transmissível, já ficou comprovado que não existem protocolos seguros para convivência entre pessoas. Não enquanto o vírus estiver circulando na sociedade. Os dois metros é uma ficção sedativa, algo que nos proteja do pânico de saber que onde partículas de odor chegam, o vírus também pode chegar em diferentes concentrações, tal qual a às diversas intensidades potenciais do cheiro que se sente. Dois metros é uma condição mínima desde que todos os demais cuidados sejam seguidos como, por exemplo, o uso contínuo das máscaras. Não há condições seguras de beber ou fumar um cigarro com seus amigos, porque se a fumaça chega, o vírus chega.
A realidade tem se mostrado cruel e eleitoreira, a perenidade da vida só é desejada para aqueles que podem influenciar votos para o alcance das ambições políticas daqueles que já governam. O método é claro, enquanto Bolsonaro sustentar o mais radical dos discursos, qualquer omissão, por mais criminosa e planejada que seja, parecerá um simples acidente, ou consequência do discurso do espantalho mor, do espantalho maior, mas não é. À sombra das 3.930 mortes da última sexta-feira, Dória manteve as rodovias para o litoral abertas, um delicioso convite para a morte e Covas autorizou o retorno das aulas para amanhã.
A denúncia está aí, lê quem quer!
Leia Dossiê.
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