O Brasil não pode dar certo...
Atualizado: 20 de abr. de 2021
Surpreende que os EUA não tenham percebido. Mas o Brasil não corre o menor risco de dar certo.
Não é de hoje que rumores e provas sobre o envolvimento dos EUA em episódios políticos no Brasil surgem, deixando todos preocupados e até, por que não, surpresos com tamanha audácia do país do Tio Sam. Dentre os casos mais famosos estão a articulação de diplomatas em apoio ao golpe militar de 1.964, interesses explícitos e espionagem do programa do pré-sal brasileiro, revelado pelo, realmente disruptivo. wikileaks e, mais recentemente, uma publicação do Le Monde demonstrou a influência dos EUA sobre o então Juiz Sérgio Moro e na condução dos processos da Lava-Jato que culminaram na prisão de Lula, até então líder nas pesquisas eleitorais, abrindo caminho para a eleição de Bolsonaro que logo em seguida pagou os favores premiando o juiz que prendeu seu adversário, com o cargo de Ministro da justiça e uma possível indicação para o Supremo Tribunal Federal (STF).
Não precisamos entrar nos méritos dessas interferências, historicamente os EUA sempre sabotaram países de todas as formas possíveis em busca de seus ideais comerciais, econômicos e ideológicos. A história está amplamente documentada. O ponto que realmente intriga e sustenta esse editorial é: Para quê tanto esforço? O Brasil não corre o risco de dar certo.
Indústria decadente:
O Brasil sofre de uma enorme desigualdade social e essa desigualdade é tão grande e profunda que as pessoas mais ricas têm o poder de mudar as leis a seu favor, mesmo que isso não beneficie em nada a sociedade, ou pior – e mais recorrente – mesmo que essas alterações prejudiquem a sociedade.
Atrasado em relação ao mundo – para variar – o Brasil demorou a se industrializar, depois demorou a se abrir para o comércio exterior e isso, obviamente gerou um atraso tecnológico na indústria nacional. Mas que fique claro, um atraso desejado por muitos industriais brasileiros que, entre precisarem se reinventar e investirem para competirem com tecnologias internacionais, preferiram fronteiras fechadas que protegessem suas margens de lucro.
Hoje pouca coisa mudou, o Brasil continua investindo pouco na industrialização do país e as entidades sindicais do setor como a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) preferem entrar em pelejas políticas em uma infantil busca de vantagens tributárias e um debate raso baseado em figuras cômicas como sapos, patos e slogans chicletes, ao invés de lutar contra aquilo que realmente trava o desenvolvimento industrial do país. O sistema bancário.
As atuais políticas restritivas de crédito impedem que qualquer industrial determinado possa crescer. E já que chegamos rapidamente aos bancos, é oportuno falar da maior âncora econômica do país.
Sistema bancário brasileiro:
Sejamos sinceros, se fossemos o presidente dos EUA, estaríamos sentados naquela bela sala oval, com charuto cubano na mão direita, whiskey escocês na mão esquerda, pernas cruzadas e, com a mão ligeiramente apoiada no colo de um assessor, riríamos:
“Se os bancos chineses fossem como os brasileiros, não precisaríamos nem de porta aviões”.
Calma, não precisa entender todas as referências de uma vez, mas trocando em miúdos, os bancos brasileiros fazem todo o trabalho sujo, não precisa de sabotagem externa.
Já que um pouco acima esse editorial ataca alguns defeitos da indústria nacional, vale lembrar que foi uma generalização, porque de fato, as entidades que representam a indústria fazem um trabalho pífio, mas claro, a grande maioria dos industriais, principalmente aqueles bem intencionados, mas que são pequenos demais para serem ouvidos, mesmo que queiram investir para crescer, esbarram na burocracia bancária, que por conta das altas taxas de juros restringem o limite do crédito inclusive quando, covardemente, pedem o patrimônio, das pessoas que ainda não têm esse patrimônio, como garantia desses mísero crédito a juros abusivos.
Em essência, a função de um banco, para contribuir com o desenvolvimento de um país, é gerir fundos daquelas pessoas que possuem muito dinheiro, emprestando esse capital para pessoas com ótimas ideias, que não possuem recursos financeiros para desenvolverem seu sonho, tirarem um negócio do papel. Infelizmente não é o que acontece.
Hoje, na humilde opinião desse editorial, os bancos são os maiores responsáveis pela financeirização da economia, que cada vez mais se resume a especulação baseada nos volumes de títulos negociados, fazendo com que o valor das ações das empresas seja artificialmente inflado, sem que isso represente um ganho macroeconômico, já que nem impostos são pagos por esses acionistas quando recebem os juros e dividendos. Em outra oportunidade poderemos até refletir sobre a concorrência da financeirização contra a economia real, já que todo esse valor circulante, passando de mão em mão dos acionistas, poderia gerar impactos produtivos reais, abrindo postos de trabalho e incrementando o processo produtivo nacional (assunto para outro Editorial).
Como se os defeitos já não fossem muitos, os bancos ainda têm funcionado como catalizadores de capital, que tiram dinheiro das camadas mais baixas da população, principalmente em momentos de crise onde as pessoas recorrem ao crédito para fechar as contas e pagam juros exorbitantes – o mais alto do mundo desenvolvido – irrigando fortunas, com massivas distribuições de lucros como em 2018, quando o resultado do lucro recorde de R$ 25,6 bilhões, do banco Itaú, ganhou as capas dos jornais. Isso poderia de alguma forma ser positivo para o pais, gerando novos postos de trabalho, ou servindo para uma empresa brasileira avançar sobre o mercado internacional. Mas, longe disso, o que aconteceu foi que no mesmo ano R$ 22,44 bilhões foram distribuídos como juros e dividendos para os acionistas. Isso significa que 88% do lucro obtido, foi destinado para os acionistas, quando a lei obriga a distribuição de apenas 25%. O resultado disso, é que algumas das famílias mais ricas do Brasil, ficaram ainda mais ricas e receberam R$ 9 bilhões em plena crise nacional. Tudo isso pagando alíquotas que vão de 0% para os dividendos a 15% sobre o Juros sobre Capital Próprio (JCP), enquanto trabalhadores comuns pagam até 27,5%.
Muito mais produtivos e fundamentais que os bancos, o agronegócio deveria nos encher de orgulho, afinal...
O Agro é POP:
A agro pode ser pop, mas tem se esforçado em ser inútil aos interesses do país.
“O maior produtor de alimentos do mundo”, esse é um título que realmente deve fazer as pernas dos estadunidenses tremerem. Com um clima favorável, água em abundância, pouquíssimas intempéries climáticas e tecnologia produtiva de ponta – além da rara imensidão territorial – o Brasil é bastante estratégico para o mundo, já que produção bovina e monocultura de grãos para a ração animal, como a soja, são duas atividades indesejadas pela grande poluição, desmatamento, contaminação e degradação do solo, que essas atividades geram, além de um altíssimo desprendimento de água, em uma dimensão tão grande, que pouquíssimos climas no mundo sustentariam tal demanda. Então sim, esse sim é um setor econômico que deve assustar os EUA na disputa pelo mercado internacional e pela importância geopolítica que isso representa, mas para o desenvolvimento econômico essa vantagem para no equilíbrio da balança comercial. Para o mercado interno o agronegócio recorrentemente faz gols contra:
Nos orgulhamos das safras recordes, é claro! Mas quando a produção é grande demais Jogam produção no lixo para controlarem o preço, enquanto milhões de pessoas passam fome; usam de todo o aparato Estatal representado pela Embrapa e usam essa tecnologia para produzir cada vez mais, mas a melhor parte da produção vendem para quem tem dólar para pagar e o que sobra vendem a preço de dólar para trabalhadores que recebem salários em real. Recebem bilhões em subsídios de crédito rural, mas com os lucros recordes, mal pagam impostos. O sucesso do agronegócio brasileiro está fazendo melhor para os importadores de equipamentos agrícolas e para os fabricantes de 4x4, porque empregos no campo estão virando lenda, estão em queda há muito tempo e, que se deixe claro, pretendem extinguir cada vez mais postos de trabalho com a automatização das lavouras. O sucesso do agronegócio favorece apenas aos interesses dos latifundiários que detém propriedades rurais gigantescas e lucrativas, apostando na monocultura de insumos para produção de ração animal.
Alguns desses latifúndios são heranças que atravessaram gerações desde o tempo da escravidão. De alguma forma isso os torna herdeiros da escravidão, provavelmente não pelo trabalho, muito provavelmente pelos lucros gerados por aqueles que foram escravizados pelos antepassados dos atuais reis do desmatamento e das queimadas.
Aliás, se os EUA tivessem se atendado para os detalhes, teriam percebido que no país em que a reforma agrária nunca foi feita e que as fortunas atravessam gerações sem saírem das mesmas mãos, logo perceberia que esse país não tem futuro.
E por falar em futuro...
O futuro também não parece ser muito promissor. Com péssimas remunerações oferecidas pelas empresas, um poder de consumo cada vez menor e restrição da oferta de crédito, a atividade empreendedora no país deve continuar se resumindo a trabalho informal e relações trabalho precarizadas.
Claro que existem jovens bem-nascidos, com uma educação privilegiada, formação superior, MBA e tudo mais, esses geralmente quando voltam do intercâmbio correm para montarem a startup deles, empresas que para um olhar mais pragmático se resumem como empresas que oferecem serviços de baixa complexidade, que dificilmente dão lucro, quebram fácil e boa parte delas se apoiam na ideia de precarizar as relações de trabalho tal qual os aplicativos de transporte, entregas e faxinas.
Com o passar do tempo e graças ao surgimento dos gurus do empreendedorismo, ficamos bons também em marketing multinível, vendas de curso que ensinam a ficar rico, vendendo cursos que ensinam a ficar ricos, pirâmide financeiras, marketing digital e em fabricar coaches, são mais ou menos 100 mil novos todos os anos, se seguirmos assim em breve teremos mais coaches do que habitantes.
Enfim, espera-se que esse breve editorial sirva para fazer os EUA entenderem que não precisa boicotar o Brasil, nós não temos a menor chance de dar certo, não tão cedo. Que esse final deixe claro aos diplomatas, parlamentares e autoridades estadunidenses de todas as naturezas, que o Brasil não representa uma ameaça econômica, não representa uma ameaça geopolítica e não representa uma ameaça comercial. No Brasil o atraso é tão grande que ainda estamos no “pré-fordismo” onde quem produz, não consegue sequer consumir o que produz; vivemos hoje, o que Marx criticava no século XIX, temos um exército industrial de reserva, um exército de desempregados que faz as empresas oferecerem salários de fome, porque se um não quer, tem quem queira.
Se o Brasil não for sabotado, se a interferência externa não colaborar para que outros Bolsonaros sejam eleitos presidentes, se tivermos um pouco de paz política e consistência democrática, talvez daqui 50 anos tenhamos um país menos desigual, um país com uma educação decente, um país onde a exuberante produção de alimentos se traduza em nutrição e dignidade para a população e não em lucros exorbitantes para alguns poucos “príncipes feudais”.
A julgar pelo nosso presidente eleito, bem se vê que não temos como ir muito longe. Nossos empresários e formadores de opinião apoiaram a eleição do atual presidente, muitos deles se recusam a abandonar o barco até hoje. Qual é a chance de essas importantes figuras saberem produzir ou ler um relatório de situação? As figuras mais proeminentes do empresariado nacional, os donos do capital, foram incapazes de prever um cenário simples sobre a eleição de um presidente com ares autoritários e, toscamente, projetaram os impactos de uma pandemia com características tão gritantes... Qual é a chance de o Brasil dar certo?
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