Giulia Grillo, presente!
Giulia Grillo, a ativista do Amor.
Faleceu nessa terça-feira, 21, a ativista pelos direitos humanos, Giulia Grillo.
Giulia Grillo é uma das mais amorosas pessoas que eu já conheci, na guerra ou na paz ela oferecia flores, abraços, carinho, conversa. Já vi Giulia debaixo de uma chuva de bombas da PM contra ciclistas e tudo que ela conseguia gritar com aquela voz doce e rouca era: “Parem de violência, há crianças aqui”.
Há 5 ou 6 anos conheci Giulia, uma jovem senhora que sobre uma bicicleta buscava viver a cidade, cruzou com nossa “trupe” e nunca mais se afastou. Éramos um grupo de ciclistas sem uniforme, sem bicicletas caras, sem grandes ambições estéticas, apenas pessoas com bicicletas que se uniam para conhecer a cidade, protestar, passear, comer e beber em alguma praça ou parque por aí.
Giulia, não. Giulia era mais do que isso, uma gigante com olhar humano sobre todas as coisas. Estive ao lado dela não só nesses momentos de lazer e descontração, mas em diversos atos e ações diretas, protestos lotados, com pressão, com opressão e pessoas perdendo a paciência, pessoas com os nervos até a tampa, mas Giulia, não. Giu foi a expressão maior da indignação elegante, ela lutou e peitou quantos policiais foram necessários, sem nunca desumanizar, sem nunca se esquecer da pessoa por baixo da farda e mesmo quando sofria violência, Giulia nunca quis revidar, Giulia conversava, convencia, buscava o diálogo o tempo todo. “Pedrooooo, assim não, não vai... Vem pra cá... cuidado”, quantas vezes não ouvi gritos nesse tom, seguindo dos deboches: “Calma bebezão”...
Uma vez Giulia conseguiu um trabalho, um bico, que a completava, veja bem, ela, a expressão maior do Amor e da Paz, fez um trabalho para o Japan House São Paulo, uma movimentação artística em que dezenas de ciclistas pedalavam em um grande grupo por toda a cidade com uma bicicleta, distribuindo flores. Ela AMOU, fez todos os dias, postava fotos e no final ficou feliz em ganhar uma bicicleta tão boa, já que ela morava meio longe de onde os giros aconteciam. Cada pessoa do grupo ficou com uma bicicleta, porém, dias depois, Giulia foi até a Cracolândia onde foi uma brava ativista pelos direitos humanos, aliás, tamanha a humanidade que ela colocava no olhar sobre aquelas pessoas, que nem se deu conta e deixou a bicicleta encostada em um canto e foi andar, assistir às pessoas que precisavam de sua atenção, quando voltou a bicicleta tinha sido furtada. Nenhuma mágoa, nenhum ódio, nenhum arrependimento, continuou a visitar a Cracolândia até os últimos dias.
Semanas depois, o grupo de whatsapp dos ciclistas fica agitado, precisavam de alguém para ir resgatar a Giu, que tinha furado o pneu ali pertinho da craco. Eu estava perto, corri para lá assustado. Meu medo;? Que Giulia perdesse outra bicicleta. Chegando lá, ela muito mais tranquila que eu, me deu um abraço e agradeceu com um sorriso enorme. Remendamos a câmara, montamos o pneu e saímos dali. “Bebezão, eu não estava com medo, só queria sair daqui pedalando, obrigada!”.
Lembro do orgulho que senti quando ouvi a voz de Giulia denunciando a violência policial gratuita contra pessoas em situação de rua em um dia de chuva. Ela não tinha medo das pessoas, pelo contrário, mesmo lutando contra um câncer complicado, a dedicação dela sempre foi a terceiros. Ligava para o Padre Júlio Lancelotti, para o vereador Eduardo Suplicy e para os ativistas da Craco Resiste, até conseguir o que precisava, até desfazer uma injustiça. Aliás, filmou e denunciou inúmeras injustiças, deu ombros, ouviu e conversou com qualquer pessoa que precisasse de atenção, compartilhou tudo o que teve: Tempo, amor e pão.
Giulia Grillo é uma daquelas ativistas invisíveis que não buscam protagonismo, que não querem fama, mas que movem o mundo para mudar aquilo que a indignava. Giulia era uma gigante silenciosa para o grande público, mas que todos sabiam que deveriam ouvir.
Eu não tenho muito jeito para despedidas e sinceramente acho meio complicado homenagear uma ativista que, para mim, é muito do que isso, foi uma amiga de jornadas intermináveis de pedal. Até porque, Giulia não era só luta, Giulia também era paz.
Para quebrar a formalidade e impedir que isso pareça um obituário, lembro de uma viagem que fizemos até a cachoeira do Jamil, na volta, faltando mais de seis horas de pedal para chegar em casa, uma fortíssima chuva se formou, mas ela recusou voltar de Kombi, “Deixa para as crianças, eu quero viver essa aventura” e assim pedalamos mais de 8 horas em estradas de terra e pedregulhos sob forte chuva e lama na canela. Foi uma das conexões mais incríveis que eu senti no pedal, foi uma das viagens mais marcantes, contamos histórias, compartilhamos sentimentos, nos conhecemos melhor e assim construímos uma história que vou contar para sempre, uma história sem fotos, porque a câmera queimou com a chuva, mas quem precisa de fotos, para lembrar do que foi gravado no coração?
Esse é uma singela homenagem para a mãe, amiga, ativista e ciclista, para sempre presente, Giulia Grillo.
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