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Filmes dublados, heróis ou vilões?

Injustiçados, os “contra cults” dublados são muito mais importantes do que parecem e agora eu posso provar até com ciência.

Aclamado pela crítica, chamou atenção ao ser o primeiro filme de língua não inglesa a vencer o Oscar de melhor filme. Atualmente se encontra o filme dublado em vários idiomas, entre eles o inglês e o português. | Em cena: Ki-Taek (Song Kang-Ho | dublado por Hércules Franco e Freddy Mozart) e Lee Yeon-Kyo (Cho Yeo-Jeong | dublada por Raquel Ladar e Priscila Amorim )

O cinema é conhecido como a 7ª arte (1ª – Sonora; 2ª – Cênicas; 3ª – Pintura; 4ª – Escultura; 5ª – Arquitetura; 6ª – Literatura), isso porque o cinema é a soma das artes sonoras com as artes cênicas que por sua vez é a reprodução da arte literária, ou seja, são três ou mais artes somadas para nos proporcionar o puro estado da arte, a arte audiovisual.


Áudio e visual, a combinação perfeita:


Timbre, volume, respiração, sonoplastia, trilha sonora, palavras, entonação... Todos esses componentes contribuem para a parte auditiva dos filmes e desses componentes o timbre, o volume, a entonação e a palavra, são características intrínsecas dos atores e a defesa de quem não gosta de dublagem é exatamente essa. Dizem que se você assiste a um filme dublado você está perdendo a experiência que o ator criou com a voz dele, por exemplo.


É claro, contra isso não há argumentos. Realmente a dublagem tira a voz, a entonação e o timbre do ator original e insere em seu lugar a voz de outro ator, um ator que fale o idioma do público-alvo. Então sim, se você entende o que os atores conversam na língua original, não há o menor motivo para você assistir a um filme dublado. Porém, se você não é fluente na linguagem original do filme, então o melhor caminho é obviamente e, agora, cientificamente comprovadamente assistir aos filmes dublados. Explico:


Assim como o timbre, a voz, a entonação etc. as poses, microexpressões, efeitos visuais, gestos, detalhes nas roupas, objetos de cena, locação, iluminação etc. são componentes de cena essenciais, cenas que mesmo que fossem “mudas” / sem som nenhum, conseguiriam transmitir alguma intenção apenas pelo olhar dos atores, ou por uma respiração mais profunda, um movimento de mão, a forma de segurar e/ou soltar a fumaça do cigarro. Todos os artifícios de cena precisam de atenção para serem notados e, acredite ou não, a melhor forma de notar todos esses detalhes é exatamente olhando para o centro da tela, para o “alvo” da cena, algo que a leitura da legenda pode te roubar.

Pulp Fiction: Tempo de Violência (Quentin Tarantino, 1995) | Um dos melhores exemplos sobre a importância de manter os olhos atentos à cena. Com cenários, objetos, figurinos e atuações incríveis, qualquer desvio de olhar fatalmente implicaria em perder um olhar, uma composição ou algum outro elemento visual. | Em cena: Mia Wallace (Uma Thurman | dublada por Miriam Ficher)

A Ciência dos Detalhes e o sucesso dos dublados:


Já parou para se perguntar por que a maioria dos filmes lançados nos streamings e cinemas recebem versões dubladas? Sim, um dos motivos são as crianças que ainda possuem dificuldade de leitura rápida, mas e os filmes e séries criados para o público adulto?!

Inconfundível, Isaac Bardavid, o Wolverine brasileiro, conheceu Hugh Jackman, durante uma passagem do ator pelo Brasil. Um dos casamentos mais perfeitos entre dublador e ator.

Bom, embora em público muita gente torça o nariz para os filmes dublados, no íntimo do lar de cada um os dublados fazem sucesso, porque no caso do Brasil, por exemplo, a média da população não possui leitura fluente para acompanhar os diálogos sem a ajuda dos nossos bravos dubladores. É uma questão que extrapola a simplicidade do bom versus ruim, ou melhor versus pior, para a maioria da população mundial, a dublagem é uma ferramenta de inclusão, de diversidade, de libertação pela arte e pela cultura. Para muitas pessoas no mundo, ler a página de um livro, e compreender o que está escrito ali, pode ser um desafio considerável, uma tarefa que muitas vezes significa a necessidade de reler, parar, refletir, às vezes até voltar algumas páginas para recapitular, entender o contexto; nos filmes isso não é possível, tudo é muito rápido e contínuo, perder algumas falas pode ser o suficiente para que o filme perca o sentido.


Essa escolha pelo filme dublado, além de óbvia, é a mais inteligente para quem não tem fluência no idioma original e quer apreciar todos os detalhes que os criadores do filme pensaram para transmitir a emoção necessária ao filme. No documentário “Truques da Mente”, o apresentador Neil Patrick Harris, mostra isso logo em sua primeira temporada, quando, já no segundo episódio, o programa propõe diversas situações/experimentos que testam a atenção e a capacidade de percepção dos espectadores e, eu garanto, você não vai passar na maioria dos testes, simplesmente porque é impossível passar nos testes, eles foram feitos para expor as falhas da nossa mente.


O mesmo documentário mostra que nós humanos conseguimos focar apenas uma coisa de cada vez, é aquele foco que nos permite observar os detalhes de um objeto, porém, enquanto se direciona esse foco para as letrinhas da tela, todo o restante do seu campo de visão fica tomado pelo fenômeno neurológico que os especialistas chamam de “cegueira inatencional” (inattentional blindness), uma espécie de filtro que joga toda a energia de processamento do seu cérebro para observar e interpretar o alvo do foco e, para isso, desliga a atenção de todo o restante do campo de visão. É por isso, por exemplo, que se estivermos distraídos na rua, podemos passar exatamente ao lado de alguém que conhecemos e não reconhecer, ou notar a presença dessa pessoa ali naquele momento. Nosso foco ocular é unidirecional.


Então você pode continuar tentando argumentar que você lê rápido e volta rapidamente a atenção para a cena, porém, nesse caso você pode perder detalhes escondidos por outro fenômeno neurológico conhecido como “cegueira de/à mudança” (change blindness), um fenômeno que acontece quando nossa atenção não é unidirecional. Se estivermos olhando por exemplo para duas coisas, dois quadros, pode ser que mexam no quadro um e nem percebamos enquanto estivermos olhando para o quadro dois.


O preconceito contra dubladores:


Dubladores são piores que atores? Na verdade, não. Isso também faz parte de uma “lenda” excludente de que assistir os filmes dublados estragariam a experiência, porque você não ouviria a voz original dos atores, mas isso é só um preconceito e não uma análise justa. O fato é que os dubladores são atores, não é uma simples leitura de texto, é uma atuação com a voz e, recorrentemente, atores consagrados são convidados a dublar personagens específicos em filmes e animações.


Listamos abaixo alguns dos argumentos mais usados por quem é crítico às dublagens e reflexões para pensarmos: “Será que ver filme dublado é tão ruim assim?”


Assistir filme dublado tira toda a emoção do filme


Para começar, como dito acima, dubladores não são leitores de textos, dubladores são atores de tv, cinema e teatro que emprestam suas vozes para interpretar as situações presentes nos filmes, se você olhar um dublador no estúdio, é muito provável que ele esteja fazendo caras, bocas e gestos, só para dar mais realidade à voz.


Filme legendado é melhor por causa da voz do ator


Voz é voz em qualquer lugar do mundo, existem vários tons, vários timbres e as vozes não são escolhidas aleatoriamente. O ator dublador que realizará a dublagem é escolhido se ele conseguir entregar um timbre que converse com características físicas, emocionais e situacionais das personagens. Adam Sandler, por exemplo, é um caso que fica muito mais bem dublado do que com a voz original. Ele deveria contratar o dublador brasileiro, Alexandre Moreno, para dublar os filmes dele em inglês também (#FicaDica). Provocações à parte, é ridículo relutar em reconhecer que um dublador pode ser tão bom quanto a voz original.

(Adam Sandler é carismático e admirado tanto nos EUA quanto no Brasil e para acompanhar seu sucesso, mais de 5 dubladores já precisaram se revezar na dublagem do ator, porém, nenhum deles dublou tanto quanto Alexandre Moreno. E sim, essa voz que você ouviu na sua mente, provavelmente é a do Alexandre | Em cena: Howard Ratner (Adam Sandler | dublado por Alexandre Moreno)

A voz não é bem sincronizada:


O famoso “lip sync” é mesmo polêmico e depende de vários fatores, como a escolha dos sinônimos utilizados na fala. Esses sinônimos precisam levar em consideração o tempo de diálogo, a quantidade de sílabas das falas e até o contexto da cena. Além do texto, claro que o desempenho do dublador influencia muito e até questões técnicas, podem interferir na qualidade da dublagem, mas é bom que saibamos: A dublagem perfeita é impossível, entre os idiomas não mudam apenas as palavras, mudam os movimentos de boca que permitem fonemas/sonoridades que sequer são utilizadas em português.


Além disso, áudio e imagem são gravados separadamente e “colados” na pós-produção, até as versões originais podem conter trechos com falhas de sincronização, embora sejam mais raros. Mas sinceramente, todos nós crescemos assistindo sessão da tarde, isso nunca foi um problema.


Se você utiliza caixas de som bluetooth para assistir aos filmes, pode ser que você perceba falha no “Lip Sync“ até no áudio original, por conta do atraso de transmissão do sinal, isso pode gerar atrasos quase imperceptíveis. Mas, sinceramente, de que adianta conseguir perceber que o som e a boca dos atores estão sincronizados, se você não for capaz de entender o que eles dizem? E como saber se boca e áudio estão sincronizados se você estiver lendo as legendas?!


Filmes dublados mudam os diálogos do filme:


Essa é a parte que mais gera divergências e eu não quero ser deselegante, mas se as versões dubladas não fizessem essas alterações, você não entenderia metade das piadas/trocadilhos/referências do filme.


Normalmente, quando as versões mudam as falas, isso acontece porque a fala original trazia alguma gíria ou referência regional de onde o filme é feito e que, dificilmente seria compreendido por alguém distante daquela realidade.


Por exemplo: "Hey! Come here, spill the tea!”


Imagine que a tradução fosse: “Olá, venha aqui, derrame o chá”


Você entenderia que na verdade a pessoa quer ouvir uma fofoca? Eu não...


Filme dublado não passa emoção


Negar isso é impossível, porque, sim, há dubladores que não passam nenhuma emoção, dubladores com pouca experiência ou pouco talento para a dublagem, mas acredito que esses terão uma curta carreira no cinema. E quer saber, essa é uma questão válida para atores, também.


Não são todos os atores que são bons, alguns inclusive deveriam acender uma vela todos os dias e agradecer por terem nascido no padrão de beleza comercial. Recurso do qual os dubladores não dispõem, ou convencem pela voz, ou fora. O tanquinho não ajuda. Ou dublador tem talento, ou ele não tem nada.


Filme legendado é mais fiel ao texto


Isso é mais mentira do que verdade. Se formos observar pela comunicação formal, tudo bem, o argumento é válido. A legenda não precisa se preocupar em encontrar o sinônimo que melhor se encaixe no movimento de boca dos atores, basta a tradução literal. Porém, na parte que os filmes dublados mudam muito a referência, algumas legendas também mudam, seja por falta de traduções literais, ou porque as referências não seriam compreendidas pelo público, algo que acontece muito na tradução de ofensas.


Isso acontece, nós só não percebemos isso porque, provavelmente, não entendemos o que os atores falam, então acreditamos em qualquer coisa que esteja escrita. Se entendêssemos o que os atores falam, não recorreríamos às legendas. Mas sim, as mudanças estão lá, mesmo que você não perceba.


Eu sei que discutir filme legendado e dublado é como discutir se é biscoito ou bolacha, mas olhando pelo lado “visual” da arte, legendas são ofensas visuais, são pichações sobre a fotografia do filme, são tons amarelos gritantes, ou brancos reluzentes em cenas escuras, cenas intimistas, são uma invasão artística, uma barata na tela, são como uma freada brusca em uma rua calma.


Se você tem fluência no idioma original, se você quer ver um documentário muito técnico, se for um programa de TV sem grande apelo artístico visual, tudo bem, assista legendado, leia cada ponto e vírgula, pause e volte quando não entender, não há problemas. Agora, se você não tem fluência no idioma do filme, faça um favor a você, recorra à versão dublada e preste atenção na cena, aproveite o filme em cada nuance, repare nos objetos de cena, olhe como a árvore reage aos ventos, perceba a coloração da cena sem se preocupar com a lenda do “legendado melhor”, aprecie a arte.


Cada detalhe espalhado pela tela foi friamente calculado para te jogar em uma experiência, não ignore isso.


E no final do dia, quando o assunto é inclusão cultural, acredito que só a inclusão proporcionada pela música é comparável a inclusão permitida pela dublagem. Em um país como o Brasil, em que o analfabetismo funcional ainda é predominante e até pessoas “bem formadas” apresentam certa dificuldade em interpretar textos estáticos que podem — e devem — ser lidos com calma, como notícias de jornal, imagina se a legenda, rápida como é na dinâmica de alguns filmes, seria suficiente para transmitir toda a emoção que o filme se propõe a fazer.


Valorize a dublagem, ela é a maior porta de entrada para a 7ª arte!


E se depois de toda essa argumentação você ainda não acreditar no que eu disse, então assista o capítulo 2 da primeira temporada de Truques da Mente, você vai se surpreender!


Obs.: O nome dos dubladores o portal Dossiê teve acesso graças ao "Wiki Dublagem". Uma plataforma colaborativa que organiza informações sobre esse setor tão impressionante que é a dublagem.



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