ESPECIAL: CineBR – Diretores do século XXI – Parte 04
Os novos talentos que fizeram nosso cinema conquistar o mundo
CineBR - Diretores Brasileiros é uma série especial de publicações do Portal Dossiê etc, escrita por Cleber Eldridge, com edição de Antônio Pedro, sobre os diretores e diretoras que pavimentaram a estrada do cinema nacional.
Mais do que um conteúdo especial, essa série é mais um resultado do compromisso que a Revista Dossiê etc tem de promover a cultura nacional. Esperamos que goste de mais esse resultado.
Boa leitura.
O século XXI (vinte e um) revelou inúmeros talentos para nosso cinema, alguns trabalhos foram sucessos de crítica e público, outros passam por festivais e premiações, o maior e melhor exemplo disso é a obra-prima Cidade de Deus (2002) que conquistou tudo o que um filme consegue — inclusive o primeiro lugar da lista Dossiê que elencou os 50 melhores filmes brasileiros de todos os tempos —, mas antes de chegar no auge, Fernando Meirelles já tinha feito o pouco conhecido Domésticas (2001), o sucesso de Cidade de Deus fez com que Meirelles conquistasse confiança dos produtores e logo ele se jogou no cinema americano, caminho sem volta. Meirelles continua firme e forte lá fora, dentre suas obras estão o excelente O Jardineiro Fiel (2005), Ensaio Sobre a Cegueira (2008) e o mais recente Dois Papas (2019).
Se tem um nome que todos prestamos atenção é Kleber Mendonça Filho, o anúncio de um novo trabalho já é motivo para balbúrdia, não é para menos, sua carreira é, até o presente momento, impecável, desde seus curtas-metragens que já mostrava a personalidade do diretor, passando por seu documentário Crítico (2008) que foca no trabalho do crítico, até sua trinca de filmes.
O primeiro trabalho O Som ao Redor (2012) não foi um sucesso de público, mas a critica o abraçou e enxergou o talento do diretor, foi o único dos seus filmes a representar o Brasil na corrida do Oscar, aliás, um assunto que sempre deu o que falar. Aquarius (2016) foi um sucesso no Festival de Cannes e, apesar de não ganhar nenhum prêmio no festival, conquistou o mundo inteiro, na ocasião da escolha para nosso representante no Oscar daquele ano, a comissão que escolhe o filme optou por Pequeno Sonho (David Schürmann, 2016), um outro trabalho que não chegava aos pés da obra-prima de Kleber; por fim, Bacurau (2019) chegou próximo ao feito de Fernando Meirelles.
Se não me falha a memória, em outro especial, eu mencionei em como os curadores do Festival de Berlim adoram e estão sempre de olho em nossas obras e diretores, o segundo Urso de Ouro foi parar nas mãos de José Padilha e seu Tropa de Elite (2007), um relato cruel das ruas do Rio de Janeiro, aliás, esse é um tema que Padilha já tinha abordado melhor em Ônibus 174 (2002) sobre o sequestro de um ônibus em uma das avenidas mais movimentadas do Rio de Janeiro, o Urso de Ouro abriu caminho para Padilha nos Estados Unidos e em 2014 ele refilmou RoboCop, foi quando sentiu o gostinho do fracasso, mas em 2018 repetiu a dose amarga, seu 7 Dias em Entebbe (2018) não emplacou.
O Invasor (2001) foi um dos grandes filmes do início do século, Beto Brant filmaria Eu Receberia as Piores Notícias dos Seus Lábios (2011) com Camila Pitanga, alguns anos depois, a atriz chamaria o diretor para dirigir o documentário Pitanga (2016), sobre Antônio Pitanga e toda sua trajetória política e existencial.
Já falamos nessa série sobre os feitos de Walter Salles nos anos 90 e apesar de ter diminuído o ritmo desde 2012,quando entregou o Na Estrada (2011) foi um diretor que durante todos os anos 2000 entregou belas obras. No início do século chegou aos cinemas Abril Despedaçado (2001) e conseguiu uma indicação ao Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro; Linha de Passe (2008) foi outro belo filme, aclamado pela crítica rendeu o prêmio de melhor atriz para Sandra Coverloni. Salles foi outro caso que conseguiu sucesso no Brasil, mas que logo se debandou para os Estados Unidos, Água Negra (2005) prometeu e não cumpriu, mas Salles também buscou fazer um trabalho mais pessoal e assim deu mais certo, Diários de Motocicleta (2004), filmado no Chile e na Argentina, atraiu o olhar de Francis Ford Coppola que tinha os direitos do livro Na Estrada, de Jack Kerouac, que Salles levou aos cinemas em 2012.
O querido Karim Aïnouz atingiu o ápice de sua carreira com A Vida Invisível (2019) que conquistou o prêmio de melhor filme na mostra Un Certain Regard em Cannes, foi indicado ao Spirit de melhor filme internacional e também foi nosso representante ao Oscar naquele ano. Não aconteceu, mas muito antes, Aïnouz já começara a construir sua carreira, desde Madame Satã (2002), um de seus primeiros trabalhos, o diretor já prendia o público e arrancava aplausos, a grande maioria de seus filmes são trabalhos ligados a histórias pessoais, personagens mais complexos e isso fica mais evidente em O Céu de Suely (2006) e especialmente em O Abismo Prateado (2011).
Os anos 2010 foram a festa dos cineastas independentes, uma linha de nomes que explodiram, conquistaram o mundo e cá está mais uma vez, Hilton Lacerda e seu maravilhoso Tatuagem (2013). Lacerda parece ser um festeiro nato, seu filme seguinte Fim de Festa (2019) mostrou um assassinato no meio da maior festa do mundo, o carnaval. Marcos Jorge também nos entregou uma deliciosa obra, Estômago (2007), mas o diretor não teria o mesmo retorno em seus filmes seguintes O Duelo (2014) mal repercutiu e Mundo Cão (2016) também passou batido.
Mas se queremos falar de cinema independente, temos que falar de Marcelo Gomes, em seu melhor trabalho Cinema, Aspirinas e Urubus (2005) foi nosso representante no Oscar e passou em Cannes, sucesso de crítica, mas que, para variar, não atraiu grande público, algo relativamente comum no cinema independente brasileiro, mas que não desmerecem nem tiram o brilho dessas lindas e necessárias obras.
Seus filmes seguintes seguiram o mesmo caminho, Era Uma Vez Eu, Verônica (2012) e Joaquim (2017) também foram abraçados pela crítica, mas ainda não chegou ao conhecimento do grande público. Multifacetado, seu documentário Estou me Guardando Para Quando o Carnaval Chegar (2019) foi um sucesso completo. Abraçado pela crítica, o documentário que mostra o dia-a-dia de pessoas que trabalham com produção independente de roupas em jeans, também ganhou atenção do grande público quando foi lançado na Netflix.
Com certeza você já ouviu falar de Castelo Ra-tim-bum, não é? Pois bem, Cao Hamburger dirigiu o filme sobre a origem no bruxo Nino e sua família em 1999 e O Ano em que Meus País Saíram de Férias (2006), dirigido por Cao, foi a nossa última grande chance de sermos indicados ao Oscar, o filme ficou na pré-lista de finalistas e seu último filme — antes de integrar o time de roteiristas e diretores da globo — Xingu (2011) narra a história dos irmãos Villas-Bôas, responsáveis pela criação do Parque Indígena do Xingu, em uma das expedições mais famosas, a Roncador-Xingu, durante os esforços de “interiorização” do Brasil no período Getúlio Vargas. Essa obra cravou o nome de Cao, definitivamente na história do Brasil.
Alfonso Poyart foi outro nome que encontrou sua identidade no Brasil, logo no seu filme de estreia 2 Coelhos (2012) e logo que pôde, se mandou para o Estados Unidos. Seu filme Solace (2016) foi um fracasso de bilheterias, chegando a, possivelmente, ter causado prejuízo, o que acabou trazendo o diretor de volta ao Brasil. De volta em casa ele decidiu dirigir a biografia de José Aldo intitulado Mais Forte que o Mundo (2016).
O prolifero diretor de televisão Jorge Furtado fez alguns dos mais populares trabalhos no cinema, O Homem Que Copiava (2003) e Meu Tio Matou um Cara (2004) ambos com Lazaro Ramos foram um sucesso de público, não eram grandes filmes, mas tinham o apelo para quebrar um tabu e fazer o público ir ao cinema prestigiar o cinema nacional. Já Saneamento Básico (2007) mostrou como é o processo de fazer um filme, ainda que as condições fossem precárias, mas seu melhor filme continua sendo Rasga Coração (2018).
O cinema brasileiro também tem o nosso “menino de ouro”, mais conhecido como Caio Sóh diretor de filmes que chocam. Em sua ainda jovem carreira, seus dois filmes mais conhecidos foram por esse caminho, é aquele tipo de cinema que quando chega no final da projeção, você fica olhando para tela e pensando: “não acredito” – é assim Teus Olhos Meus (2011) e o maravilhoso Canastra Suja (2016).
Os nomes são tantos que poderíamos ficar horas a fio falando sobre os talentos que pipocaram na última década, isso sem mencionar atores que atacaram de diretores, caso de Selton Mello que dirigiu três filmes nas duas últimas décadas: Feliz Natal (2008), o belíssimo O Filme da Minha Vida (2017) e seu melhor trabalho, O Palhaço (2011), que foi nosso representante ao Oscar – aliás, só por curiosidade, esse foi o primeiro de três filmes que envolviam circo ou palhaços que foram submetidos ao Oscar, os outros foram Bingo – O Rei das Manhãs (2017), de Daniel Rezende e O Grande Circo Místico, de Caca Diegues (2018). O último, Cacá, estava meio fora de forma, há anos não entregava algo surpreendente, já Daniel Rezende ainda é um nome para ficarmos de olho, ele dirigiu os dois filmes da querida Turma da Mônica, querendo ou não, foi uma pequena surpresa, outro Daniel que agradou os críticos e foi nosso representante ao Oscar, Daniel Ribeiro e seu Hoje eu Quero Voltar Sozinho (2014) – mas como já sabemos, infelizmente, nenhum deles conseguiu a desejada indicação.
O Brasil é cheio de diretores e isso é muito bom, porque embora seja impossível conhecer todos e seja humanamente impossível dirigir apenas filmes de sucesso e grande repercussão, rotineiramente somos surpreendidos por obras de diretores que estavam fora do radar.
É o caso de Marco Dutra, com carreira discreta desde 2004, presenteou nosso cinema com Trabalhar Cansa (2011) e Quando Eu Era Vivo (2014) e seu cinema de horror, Fernando Coimbra com seu ousado, primeiro longa, O Lobo Atrás da Porta (2013) ou Gabriel Mascaro que veio se construindo desde 2008, até alcançar Boi Neon (2015) e apresentar seu trabalho ao grande público, um filme que tem estilo e surgiu de surpresa em nossas telas.
Os nomes continuam, ainda temos o maravilhoso Heitor Dhalia de O cheiro do Ralo (2008) e Serra Pelada (2013) e o saudoso Hector Babenco e seu cinema denúncia.
E assim chegamos ao fim de mais uma série de conteúdos sobre o cinema nacional. Com essa abordagem, a Dossiê etc consegue, mais uma vez, mostrar que o cinema brasileiro vai muito além dos rótulos que recebe e do descaso do poder público e até do público que torce o nariz para essas obras que pelo simples fato de serem feitas aqui, recebem a alcunha de inferiores..
Mostramos em CineBR – Diretores Brasileiros, que o Brasil é plural, tão plural que abraça brasileiros e não brasileiros de nascença, pessoas que decidiram fazer do país a morada de sua arte e outros brasileiros que foram espalhar o cinema nacional em produções mundo afora. Nosso cinema é plural demais para caber em uma caixinha e essa pluralidade acaba por se refletir nos enredos, nas interpretações e, porque não, nos diretores, cada qual com seu estilo e suas nuances, contribuem para o engrandecimento e reconhecimento de toda a indústria cinematográfica nacional, que sempre será maior do que os desarranjos políticos que a cercam e tentam destruí-la.
O cinema resiste. A Dossê etc aplaude de pé e apoia.
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