Crítica: Pico da Neblina (1ª temp. 2019)
Os maconheiros estão em todos os cantos, desde a garotada na periferia, até os maiores playboys da zona sul, mas o que aconteceria se a maconha fosse legalizada?
O Brasil é um país de diversas camadas, falo isso em vários sentidos, somos ricos culturalmente, ricos em paisagens naturais, nosso povo não cansa de espalhar nosso vasto acervo de palavras por onde passam, somos também um dos países que mais consome maconha no mundo, ou seja, de alguma forma, contribuímos com o tráfico – assunto para outra hora – tem quem diga que maconha nem é uma droga, mas sim uma erva medicinal e de acordo com estudos científicos cada vez mais avançados a cannabis realmente ajuda muito no tratamento de algumas doenças, mas porque estou falando de maconha? Estou chapado? Não! É porque esse é o foco de Pico da Neblina (HBOMax).
Imagina só se, de repente, a maconha fosse legalizada, isso seria bom ou ruim? Bom para quem e ruim para quem? A qualidade da maconha iria cair, provavelmente o acesso ficaria mais fácil, mas e todo o resto, essa é a discussão que a série quer e consegue, magistralmente, levantar.
O país passa por um momento estranho, a maconha está liberada no país – uma realidade alternativa e extremamente distante. Entra em cena Biriba (interpretado maravilhosamente por Luís Navarro), um traficante, ou como eu costumo falar, um distribuidor descolado e que está no negócio apenas para sustentar sua família.
Com a legalização da substância ele encontra no seu fiel cliente e agora amigo Vini (Daniel Furlan) a chance de mudar sua vida com uma boutique da droga, enquanto seu amigo e chefe do tráfico Salim (Henrique Santana) tenta convencê-lo de que está na hora de assumir novos desafios na periferia, assumir a gerência de uma biqueira (ponto de venda de drogas).
O enredo por si só já é interessante, mas tudo fica potencializado por uma produção cheia de estilo, com diálogos naturais e atuações impecáveis, sem nunca parecer artificial, algo corriqueiro em nossas produções, aliás, poderíamos tranquilamente fazer um paralelo da série com outras americanas de sucesso, como Breaking Bad ou Weeds, por exemplo, uma mistura que não apenas funciona, como entrega com fluidez e nos faz comprar essa história já em seus primeiros minutos, mas a série de Quico Meirelles tem seu estilo próprio, ela é frenética no que se propõe e ainda faz com que nos enxerguemos nos dilemas dos personagens, que dividem conosco a dura realidade brasileira, especialmente do protagonista, preto, pobre e da periferia.
O roteiro aqui sabe que estava diante de uma realidade paralela, logo teria que lidar com alguns dilemas, colocando na tela críticas políticas e sociais sem parecer panfletária, levantando outras inúmeras discussões, como os dias em família, amizade, fantasmas do passado, sexo, tráfico, criminalidade e, claro, drogas.
Os episódios, a maioria dirigida por Quico Meirelles e alguns assinados por seu pai, Fernando Meirelles, são muito cuidadosos, sempre fugindo das caricaturas das produções de favela ou dos diálogos carregados de palavrões, ao mesmo tempo que empregam o linguajar único de São Paulo criando uma identidade com o público e levando nossa cultura para o mundo.
É tranquilamente uma das melhores produções nacionais dos últimos anos, naturalmente, afinal de contas estamos se trata de uma obra com a marca do monstro que é a HBO.
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