A história já fez justiça, faltam as desculpas
Barroso admitiu que Dilma não foi afastada por crimes, mas sim por motivos políticos. Foi golpe!
A imprensa é, sem sombras de dúvidas, o órgão mais importante no contexto de uma democracia (pressupondo, claro, que por se tratar de uma democracia, o estado de direito já está posto). Historicamente coube à imprensa agir na vanguarda das ideias e coube a ela a denúncia de ideias e ações que precisam ser ultrapassadas. Desde os casos de corrupção mais corriqueiros, até os casos mais escandalosos como a Vaza-Jato , todos vieram à luz graças ao trabalho investigativo da imprensa. Porém, nem todas as virtudes do mundo são capazes de apagar os erros cometidos. A esses, depois de cometidos, resta apenas o reconhecimento, arrependimento e o pedido de desculpas.
Apesar de sua grande importância a imprensa muitas vezes errou ao longo do tempo, para além daqueles veículos sensacionalistas que nascem para o erro e cultivam trajetórias errantes até seu fim, mais recentemente representados por sites e blogs com autores ocultos que têm como razão de ser o objetivo de desinformar dolosamente. Ignorando todos esses que usam o erro como método de trabalho, precisamos falar de veículos de imprensa sérios, com profissionais sérios, ainda que submetidos a controles editoriais que agem a serviço de interesses de mercado. Veículos como Estadão, Folha, Veja, Globo e outros tantos grandes dependentes do comércio de mídia, que muitas vezes se deixam levar pelo calor do momento e pela opinião de seus anunciantes.
Em nossa história recente assistimos veículos que, incitados pela venda de manchetes fáceis e cliques curiosos, cedem a narrativas de eventos duvidosos e pouco embasados em fatos de formas que iludem e distorcem a visão de justiça de um povo sofrido, pouco educado, pouco lido e, portanto, vulnerável a desinformações absurdas como a “mamadeira de piroca”, como esse mesmo povo poderia discernir a notícia, da tinta forçada de grandes veículos?
Contra a presidente Dilma Rousseff a falta de profissionalismo não foi focalizado, foi generalizado, o bom senso e a apuração viraram a exceção, era uma agenda explícita: tirar a Dilma para liberar as reformas. O caminho? Lavajatismo.
Primeiro foi realizada uma cobertura de orelhada, com uma péssima prática de apuração jornalística, pitaqueiros de plantão, como a bancada da Globo News, ganharam mais espaço e fizeram questão de atacar, para além do que se possa considerar razoável, apresentando temas importantes para o desenvolvimento nacional, sem contrapontos, fazendo coro por posições econômicas que não são consenso nem dentre economistas consagrados. Muito pouco contribuíram para que o público entendesse o que se estava sendo dito, pelo contrário, o discurso do medo e a temerária comparação com a Venezuela ditaram a ordem do dia por meses.
Ainda hoje, 5 anos após o processo de afastamento da presidenta Dilma, pouca publicidade foi dada para os reais motivo da derrocada de Dilma. Justiça seja feita, Dilma tentou coibir o modus operandi corrupto utilizado por muitos políticos do centro legislativo do país. Além da “faxina” ministerial, feita em 2011, feita sob a desconfiança de que tal ato supostamente, enfraqueceria a figura política de Dilma, ao invés de simplesmente elencar os conhecidos motivos das substituições ministeriais terem se dado;
Embalada pela reeleição em 2014, Dilma também foi terminantemente contra a reeleição de Eduardo Cunha (MDB) para a presidência da câmara afim de priorizar a agenda econômica do país e aprovar pautas sociais.
Mesmo chantageada por Cunha que a ameaçava com a abertura do processo de impeachment (mesmo sem crimes de responsabilidade existentes), Dilma foi valente como poucos políticos teriam coragem de ser, seu sucessor Temer, por exemplo, muito diferente disso, seguiu pelo caminho mais fácil e usou emendas para conseguir votos que barrassem sua investigação no STF e a aprovação da tão sonhada reforma trabalhista e previdenciária ao gosto dos liberais, porém, os prometidos empregos e ajuste fiscal jamais vieram..
Dilma vetou pautas bombas como o explosivo aumento de 78% para servidores do judiciário, um absurdo imoral que com certeza causaria danos ao erário e poderia levar a responsabilização de Dilma por uma eventual improbidade administrativa.
Grande conhecedor de manobras regimentais Cunha fez de tudo um pouco para inviabilizar o governo de Dilma Rousseff e amparado por políticos movidos por interesses outros, conseguiu.
De acertos e erros se faz um governo
Claro que as críticas sobre a condução econômica do governo Dilma podem e devem, legitimamente, serem feitas, porém, o curioso disso é que normalmente os erros apontados são erros como a concessão de benefícios fiscais para estimular a indústria a produzir com preços acessíveis e garantir empregos sempre que um setor ameaçava demissões em massa, como virou rotina o setor automobilístico fazer.
Ou seja, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, a FIESP dos patos e sapos infláveis, pressionou o governo por esses abatimentos fiscais que geravam as críticas e, a mesma FIESP, pressionou muito por uma “reforma trabalhista” que na verdade é “reforma escravagista”, que retira direitos e ganhos reais das camadas mais vulneráveis da população, os trabalhadores.
É inconcebível que ainda hoje esse tipo de reforma seja cogitada em uma economia dependente do mercado consumidor interno, enquanto a concentração de renda aumenta em ritmo exponencial, sentenciando o Brasil a 8ª posição de país mais desigual do mundo. Essa parte da história a mídia de grande alcance, criticada aqui, retratou com um nome muito palatável, bonito e de difícil compreensão para o grande público a “desoneração da folha”. Essa a Dilma não topou e fez bem.
Dilma limpou os ministérios, tirou de Cunha o controle da distribuição de cargos na Itaipu, rompeu com Cunha indicando Arlindo Chinaglia (PT-SP) para concorrer à presidência da câmara, vetou todas as pautas bombas indo contra Eduardo Cunha e contra a pressão do judiciário. Segundo palavras da Mônica Moura, mulher de João Santana, ex-marketeiro do PT, em uma audiência com o ministério público afirmou categoricamente que ela e o marido foram procurados por Marcelo Odebrecht para que pedissem à Dilma que o atendesse para intervir por ele, naquele momento já investigado pela Lava Jato. Mônica foi taxativa, disse que Dilma, certa de que seu nome não estaria envolvido em nada, se recusou veementemente a atendê-lo e a intervir na investigação contra a Odebrecht.
Para criar o cenário de pânico, diziam que era coisa de comunista a manutenção de empresas estatais estratégicas como a Petrobrás, Eletrobrás e os Correios; toda a política de subsídios de combustíveis e gás de cozinha foram condenadas, como se no Brasil a pobreza não existisse e a população estivesse preparada para lidar com o aumento em cadeia que o preço de insumos básicos como energia geram.
Hoje a gasolina já passou de R$ 6,00, os aumentos acumulados nos combustíveis já passam de 30% e a inflação sobre os alimentos deteriora a renda dos brasileiros mais pobres, simplesmente porque o atual governo extinguiu os estoques públicos regulatórios de preços. Os alimentos estão sendo todos exportados sem compra mínima pelo governo. Na prática, a ausência desses estoques reguladores, faz com que o brasileiro pago em real, tenha que disputar produtos com o mercado internacional, tendo, portanto, que acompanhar a cotação do produto em dólar, uma catástrofe econômica de qualquer ponto que se olhe.
Faltou a grande mídia entender de Brasil, entender que subsídio para energia no Brasil não é uma medida populista, é uma política social de inclusão. Não faz o menor sentido, um país produtor de insumos, praticar um preço flutuante internacional para regular o consumo interno cujas variações da renda do cidadão não acompanham a flutuação do câmbio. O efeito prático disso é o encarecimento do transporte público, do frete, dos produtos de consumo básicos que passam a ser transportados e produzidos com uma energia mais cara.
Essa cadeia de impactos cresce feito uma bola de neve e quando essa bola encontra as camadas mais pobres da população, culminam no uso de lenha, quando não outros combustíveis mais perigosos e imprevisíveis como o álcool que vitimou o Sr. Stive Daves, brasileiro que sem condições para comprar o gás de cozinha se submeteu a um risco desnecessário e inaceitável para o século XXI.
Os caprichos da História:
Eduardo Cunha foi condenado, um corrupto regular com o qual Dilma fez frente e se recusou a ceder; Aécio, seu algoz, foi flagrado negociando com Joesley Batista valores a serem entregues para seu primo, já que seu primo, nas palavras de Aécio, era um que eles “matassem antes de fazer delação”; Marcelo Odebrecht foi condenado e preso; Romero Jucá, o gênio flagrado em ligação propondo “um grande acordo com supremo, com tudo” para “estancar a sangria” segue investigado; Temer, um dos maiores beneficiados desse grande acordo, o vice decorativo, hoje é tão decorativo quanto uma múmia do Cairo, viu o resto de prestígio político que ainda tinha ser substituído pela fama de golpista. Lamentavelmente seu nome continuou a surgir em investigações de corrupçãom chegando a ser preso em uma ação desastrada do juiz Marcelo Bretas (outro que caiu no ostracismo); Moro, vergonhosamente, aceitou cargo no governo Bolsonaro, após prender Lula, candidato que liderava a corrida eleitoral. Hoje, símbolo da vergonha nacional aceitou trabalhar na empresa que gerencia a recuperação judicial da Odebrecht, empresa que ele mesmo condenou e, depois de ser flagrado na “Vaza-jato”, Moro ainda se tornou persona non grata entre os juristas mais notáveis do mundo, chegando a ser cancelado em eventos por ameaça de boicote dos demais participantes que se recusaram a dividir palco para falar de corrupção com um palestrante que, conforme comprovado pela “Vaza-Jato”, corrompeu o Estado Democrático e de Direito e descumpriu preceitos básicos do código de processo penal, se beneficiando diretamente de seu desvio ao aceitar o cargo de Ministro da Justiça do adversário de quem prendeu.
Por falar em “Vaza-Jato”, bendito seja o bom e saudável jornalismo investigativo que antes de publicar a série de matérias, reuniu vários veículos de imprensa, para, em consórcio, analisarem tamanha quantidade de mensagens oferecidas pelo hacker Walter Delgatti Neto. Muito diferente da apuração sobre a lava-jato da Globo, que trabalhou como impressora dos procuradores da lava-jato, imprimindo qualquer coisa que lhes fosse oferecido. Nessa toada a Globo “imprimiu” até apresentação de Power point ao vivo, cheio de convicção e sem nenhuma prova.
No final a força tarefa foi desmoralizada até ao justiceiro Deltan Dallangnol saiu dessa história devendo explicações. Na verdade, ele se utilizou do subterfúgio da prescrição, algo que ele criticava nos réus que acusava, mas que caiu como uma luva para ele, após audiência que analisaria sua conduta ser adiada por 42 vezes.
Contra Lula não resta nenhum outro processo. Todos que passaram pelas mãos de Moro foram cancelados após a revisão do entendimento do ministro Edson Fachin declarando que os processos estavam fora da competência da 13ª vara de Curitiba, além da flagrante suspeição do magistrado em julgar aquele que ele tinha como inimigo político.
É hora da "mea-culpa":
A Globo, que já assumiu e se desculpou por ter apoiado o golpe militar em 1964, foi uma das emissoras que mais contribuiu para a ruptura institucional que começou no impeachment da presidenta Dilma e culminou na eleição de uma pessoa com pouquíssimo apreço pela democracia e que, semana após semana, tenta estimular uma espécie de “autogolpe”. O grupo Globo levará 49 anos para reconhecer o erro de romper com a democracia e criminalizar a atividade política? Será que vai levar 49 anos para se arrepender do vergonhoso dia que incentivou protestos contra a presidente Dilma, com boletins em cada um dos intervalos comerciais da programação?
Quanto tempo demorará para a imprensa se envergonhar e se arrepender de ter dado palanque para o “grupelho protofascista”, como Haddad definiu o MBL. Grupelho que com um discurso raso, insuflou o movimento golpista, até então se dizendo apartidário e sem ambições políticas, mas que logo se revelaram obsessivos pelo poder e pelas mamatas da vida pública que sempre criminalizaram.
Como bem se viu, “o mundo não girou, capotou”, as coisas se arranjaram, a história fez justiça em tempo recorde e Dilma, diferentemente de seus algozes que covardemente a atacaram, está livre, sem acusações, sem investigações, sem culpa, sem malfeitos, sem improbidade e símbolo de um país que por interesses escusos é capaz de romper com os valores mais fundamentais de uma nação.
A história fez justiça pela honra de Dilma, a essa altura, até um dos, se não o mais lavajatista dos ministros do STF já reconhece que o impeachment foi um golpe político.
Mas não achemos que está tudo bem, ainda faltam as desculpas e o aperfeiçoamento das práticas jornalísticas para que o erro não se repita. Todos aqueles que contribuíram para o Impeachment de Dilma, todos àqueles que acharam razoável jogar uma mulher inocente aos leões sob o pretexto de uma condução econômica desastrada, saibam: tem a digital de vocês nas teclas que elegeram Bolsonaro.
Não se pode, sob o pretexto de rearranjo econômico depor uma presidenta legitimamente eleita pelo voto direto, com uma agenda bem definida e que doa a quem doer, foi a agenda escolhida pela maioria dos votos. Governos ruins passam, uma democracia enfraquecida deixa sequelas graves.
Não basta saber que Dilma é inocente, é preciso que aqueles que agiram injustamente tenham a decência de se desculparem pelo desastre que culminou na eleição de Bolsonaro e consequentemente na pior gestão da pandemia do mundo.
À Dilma, esse editorial gostaria apenas de desejar os melhores ares por onde quer que vá, infelizmente esse país não estava preparado para uma mulher capaz de peitar gangsters. Ao contrário, nomearam o gângster como o “malvado favorito” deles e em seguida veio o desastre chamado Bolsonaro. Somos um país errante.
“Todos esses que aí estão Atravancando nosso caminho, Eles passarão... Nós passarinhos!”
Poeminho do contra – Mario Quintana
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